Monday, February 18, 2008

Nobre criatura

Ela tinha uns olhos bonitos e um sorriso largo, franco e cativante. Não era particularmente bonita, mas também não era feia. Tinha um raciocínio rápido e preciso pelo que era considerada uma pessoa inteligente. Vestia-se bem, sem no entanto ser demasiado formal.
Era alta e apesar de ter um carácter aprazível quando a conhecíamos, a sua presença e postura de polido distanciamento não deixava de intimidar os mais inseguros.
Cercavam-na variadíssimos tipos de pessoas, que dela tinham múltiplas perspectivas. Nós, os amigos, nutríamos por ela o carinho de quem a sabia solitária e frágil para lá da muralha que muitos viam nela. Sentíamos até uma espécie de dever de protecção, um sentimento quase consanguíneo, daqueles que por instinto nos impelem a defender os nossos.
Alguns temiam-na. Particularmente aqueles que no primeiro impacto davam de caras com o seu semblante sério, quase que rígido. Esses mantinham-se na sua margem, sem no entanto se afastarem, como se esse algo que lhes impunha respeito exercesse sobre eles um simultâneo efeito magnético.
Havia também aqueles que a invejavam. Ela nunca percebeu porquê. Mas eu sempre achei que a fronteira entre o medo e a inveja é bastante ténue. Ela representava muitas coisas. Acima de tudo representava a honestidade e a lealdade, a educação e a formação, e apesar de, na realidade, não possuir muito, o que tinha era fruto da sua batalha pessoal, pontuada por muito esforço e sofrimento.
Costumava comentar que a incomodavam os olhares invejosos, até porque não via motivo que os justificasse, mas acabava por retribuir tais olhares com os seus sorrisos impressionantemente sinceros.
Sentia-se muitas vezes incompreendida e nunca conseguiu definir o que era para si ser feliz. Talvez por isso nunca se tenha sentido verdadeiramente feliz.
Era uma criatura nobre. Daquelas especiais com que nos cruzamos na vida e nunca chegamos a compreender o que lhes falta verdadeiramente e porque as suas vidas seguem percursos tão sinuosos.
Acho que deve haver uma ordem superior, uma razão para lá do nosso alcance, um sentido. Tem de haver…

No comments: